Capa Paula Burlamaqui Playboy Maio de 1996 |
Ryoki Inoue é um escritor que escreve pelos cotovelos. O jornalista nova-iorquino Matt Moffett, do Wall Street Journal, sabia disso quando despencou em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São Paulo, no início do ano, para entrevistar o homem que, segundo The Guinness Book of Records, mais livros publicou em todo o mundo. Já eram, então, inacreditáveis 1 030 títulos, assinados por Inoue ou por seus 39 alter egos literários — e, o que é mais espantoso, produzidos, todos eles, do primeiro ao último, no curto espaço de uma década. No dia em que Ryoki falou a Playboy, a marca havia subido para 1 040 livros — duas vezes, para que se tenha uma idéia, o número de edições de uma revista semanal, como VEJA, nos mesmos dez anos.
Embora impressionado com os números, Matt Moffett não se deu por convencido e dias mais tarde voltou ao escritor com um desafio: provasse que realmente era capaz de pôr um romance no papel em apenas 6 horas, como havia afirmado. Pois não, assentiu o imperturbável, jovial Ryoki, paulistano neto de japoneses e filho de portuguesa, 49 anos de idade. Aboletou-se em frente ao computador às 11 da noite, puxou uma cadeira para o gringo — e, 5 horas e meia depois, não seis, pingou um ponto final na página 210 de um novo romance, uma história de seqüestro, com o título provisório A Chave, em que o personagem principal se chamava…Matt Moffett. “Não ponha o meu nome, por favor”, foi tudo o que o jornalista conseguiu balbuciar, e o protagonista virou Roy Hamilton.
Nada de excepcional para a metralhadora literária de Ryoki Inoue, que em outros tempos chegou a disparar três livros num só dia, em gêneros diversos como o policial, a história de guerra, a espionagem, a ficção científica e, principalmente, o faroeste — muitos deles apimentados com candentes passagens eróticas (quadro no final). O escritor acha que seria capaz de muito mais se tivesse uma datilografia de dez dedos. Usa apenas os dois médios e os dois indicadores, com discreta ajuda dos polegares, e diz que sua cabeça está sempre um parágrafo à frente das mãos.
Morre o Dr. Inoue, nasce James Monroe
Na verdade o bom aluno de Português do Colégio Santo Américo, de São Paulo, não se preparou para a literatura. Confundido por um teste vocacional que apontou para todos os lados, acabou, meio por inércia, seguindo a profissão do pai e por dezesseis anos pulou de hospital em hospital como cirurgião de tórax. Até que, exatamente dez anos atrás, recém-chegado aos 40, casado, pai de quatro filhos, ele atolou numa crise que o fez jogar para o alto os bisturis: ganhava pouco para a trabalheira que tinha, andava estressado, teve colegas assassinados por bandidos em mal-aparelhados hospitais da periferia.
“Você sempre gostou de escrever, eu gosto de pintar, a gente segura a barra”, incentivou nesse momento sua mulher, à francesa Nicole Kirsteller. Por que não? — e no mesmo dia o Dr. José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue comprou a máquina de escrever portátil Olivetti na qual, durante o mês de maio de 1986, numa desajeitada catação de milho, passou a limpo o bangue-bangue Os Colts de McLee, escrito à mão em trinta dias e imediatamente aceito pela Editora Monterey, do Rio de Janeiro. Foi o primeiro dos 1 000 pocket books que Ryoki perpetrou para essa e várias outras editoras, todos eles embalados em pseudônimos americanos como o James Monroe de Os Colts de McLee. A desculpa que lhe deram foi a do santo doméstico não milagreiro. O principiante foi instruído também para variar constantemente de pseudônimo — os editores não gostavam da idéia de criar autores que, tornando-se conhecidos dos leitores, passassem a exigir preços menos alvitantes para seus originais.
No caso de Ryoki, no início eram 20 dólares por um livro inteirinho, da primeira à última página, nem um tostão a mais, embora seja praxe os autores receberem um percentual sobre as vendas, em geral 10% do preço de capa. Não foi pouco o que deixou de ganhar, pois cada edição de seus pockets era de 15 000 exemplares — num país onde as tiragens costumam ficar nos 3 000. Aqueles 20 dólares, num apertado pacote familiar, remuneravam também as capas que sua mulher desenhava — chegou a fazer umas 300. “Não dava para cobrir os gastos com papel, fita de máquina e correio”, lembra Ryoki com indignação retrospectiva. Um dia reclamou e os editores passaram a pagar essas despesas. Se a família — a essa altura instalada na casa de praia que tem em Piúma, litoral do Espírito Santo, onde viveu até o ano passado — não morreu de fome antes que ele firmasse o pé, meses mais tarde, foi porque Nicole (profissionalmente Nicole Bartel) conseguiu vender uma quantidade de quadros para um hotel de Campina Grande, na Paraíba.
Cedo Ryoki se deu conta de que, para conseguir melhorar preços, precisaria “dominar o mercado brasileiro” de pockets books, no qual desembarcavam cinqüenta novos títulos mensalmente. Decidiu que, desses, ia produzir 45 — o que significaria fazer um e meio por dia, em média. Descobriu também que o editor brasileiro não estava preparado para assimilar um autor assim prolífico — o que o levou a diversificar, buscando três, quatro compradores para os seus originais, que desse modo passaram a valer 250 dólares cada.
A Malhação cerebral de Ryoki e Nicole
Em torno do 450º livro, ele data, aí por 1989, registrou-se enfim uma discreta decolagem financeira. Mas Ryoki teve que esperar até 1992 para ver, como qualquer autor, seu nome na capa de um livro: o de número 1 000, momento emocionante em que, de quebra, deixou de simplesmente vender originais para ganhar direito aos 10% sobre o preço de capa, e trocou as bancas de jornais pelas livrarias. Manteve, porém, o esquema de trabalhar com diversas editoras, pois uma apenas não daria conta de desovar toda a sua produção. Prefaciado pelo repórter da Rede Globo Alexandre Garcia, o romance que marcou a guinada, E Agora, Presidente? — o maior que já escreveu, com 435 páginas —, conta à história de um político americano que se descobre portador do vírus da Aids.
Aquele foi, para Ryoki, um acontecimento especialíssimo, com sabor de estréia embora já houvesse publicado 999 títulos — e é pena que não tenha como saber qual foi o 999º: algum entre as dezenas que havia entregue a duas editoras e que foram lançados em desordem. Foi também por essa altura que Ryoki Inoue entrou no Guinness, primeiro na edição nacional, depois na internacional — o que lhe custou não pouco trabalho, pois teve que provar, papéis na mão, que havia escrito todos aqueles livros, suplantando um certo Marcial Lafuente Estefania, cidadão espanhol, até então recordista mundial com seus 752 títulos.
Começou a ser requisitado para entrevistas, apareceu no Fantástico, no Globo Repórter, foi duas vezes ao programa de Jô Soares. Os livros de sua nova fase, como E Agora, Presidente? e A Bruxa, já venderam, ele conta, em torno de nada desprezíveis 17 000 exemplares cada um. Sai bem, igualmente, O Caminho das Pedras, que publicou no ano passado para socializar seus truques de escritor. “Está vendendo direitinho”, confirma Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, de São Paulo.
Morando hoje numa casa alugada de quatro quartos no bairro de Alto da Ponte, na periferia de São José dos Campos, onde além da família tem a companhia do pastor alemão Black Ghost e da dachshund Cookie, Ryoki Inoue pode não estar rico — sua respeitável barriga ainda não é a da prosperidade —, mas visivelmente já não vive o sufoco de dez anos atrás, quando pôs para funcionar seu taxímetro literário. Trocou há pouco uma periclitante Ford Belina por uma caminhonete Chevrolet D-20 e entre “umas poucas frescuras” permite-se o prazer de queimar, em seus cinqüenta cachimbos, uma mistura personalizada de fumos que a Dunhill, da Inglaterra, lhe prepara de seis em seis meses com base num detalhado questionário.
Cavalheirismo à parte, a escalada de Ryoki deve muito à colaboração da mulher, com quem desde o início vem operando num esquema provavelmente inédito em maluquice e exemplar em eficácia. Só não se pode dizer que trabalhavam lado a lado, em sua casa de Piúma, porque havia um tabique separando a mesa de Ryoki e a prancheta de Nicole. “Onde é que você está?”, indagava ela de cá. “Estou chegando com a diligência numa cidadezinha”, rebatia ele de lá. “Com índio ou sem índio?”, tornava ela — e nessa “malhação cerebral”, como diz Nicole, texto e capa chegavam juntos ao The End. Ou nem sempre, pois aconteceu mais de uma vez de o desenho ficar pronto primeiro — como aconteceu também de histórias nascerem a partir de capas concebidas por Nicole para livro algum.
Também ela é escritora, interessada em temas como ecologia e esoterismo, e cabe a Ryoki ajeitar o português afrancesado de sua prosa. Já fez dez livros, dois deles editados, Os Pensamentos dos Anjos e A Magia Branca a Serviço do Prazer Sexual — para não falar em sua contribuição genética para as Letras: um dos filhos do casal, o historiador André, 23 anos, teve um breve mas intenso sarampo literário aos 16, idade em que publicou dez livros de faroeste. Georges, o caçula, de 16, está terminando o seu primeiro, sobre as atribulações de um adolescente na cidade grande. A filha Anouk, 20 anos, não escreve mas transita em área próxima, como agente e assessora de imprensa do pai. Só o filho mais velho, Cedric, de 26, passa ao largo da literatura — trabalha com turismo.
O entrosamento do casal Inoue tem sido frutífero também no terreno da pesquisa que precede a elaboração de cada história de Ryoki. Nicole é fera na leitura dinâmica e dá conta, fácil, de sessenta livros por mês. A lua-de-mel lítero-existencial em que vivem a dez anos só se cobre de nuvens quando o marido, que dorme apenas 3, 4 horas por noite (“vício de médico de UTI”, suspira a esposa), vem acorda-la com todas as luzes do quarto, um copo de uísque e uma idéia ótima para mais um livro. Idéia que, tão logo tome corpo, ele cuidará de registrar em cartório, para prevenir pirataria. “Fico louca, digo que ele é um bourreau” — carrasco, em francês. Chega a ser prodigioso que se entendam, sendo, como são, um pouco como o funcionário e a dançarina do samba de Chico Buarque: Nicole prefere pintar com a luz do dia, Ryoki escreve à luz de lâmpada. Em geral usa as manhãs para fazer pesquisas e as tardes para revisar o que produz de madrugada. Em qualquer desses turnos, entre uma cachimbada e outra, consome sucessivas garrafas de café.
As raras brigas do casal acontecem na cozinha, onde reina a mais desenfreada competição culinária. As especialidades, para começar, são irreconciliavelmente opostas: Ryoki, a despeito da ascendência oriental, com sua avassaladora comida baiana, Nicole com sua sutilíssima geléia de rosas. Em sua disputa pelo galardão gastronômico, chegam a comprar tudo em dobro, dois frangos, dois coelhos, dois peixes, que preparam simultaneamente, um em cada ponta da bancada.
Outra causa de moderados desentendimentos domésticos costuma ser a recusa de Ryoki em fazer qualquer coisa que ponha em risco seus instrumentos de trabalho — os dedos e as mãos. Não há quem o faça bater um prego, por exemplo. Já cortou um dedo abrindo ostra e não esquece como claudicou no teclado durante dois penosos dias. Basta-lhe a tenossinovite, mal que acomete até digitadores que não escrevem romances em 6 horas, e que no seu caso se manifesta numa literal dor de cotovelo — mas só na fase de revisão de um livro, explica, quando usa mais o mouse que o teclado do computador. Também o punho às vezes dói, e para isso Ryoki tem lá sua manha: é só inclinar um pouco o teclado, ensina, puxando o lado direito para cima.
A primeira máquina só agüentou um livro
Até quatro anos atrás ele penou em máquina de escrever, algumas das quais abriam o bico depois de cinco, seis livros. A primeira, idosa e frágil, não resistiu aos colts de McLee. Hoje Ryoki tem quatro computadores, incluindo um laptor que carrega para o banheiro quando baixa outra urgência além da literária. A informática veio revolucionar a sua produção, permitindo-lhe escrever fora de ordem e depois costurar os capítulos. Aderiu não faz muito à Internet e está maravilhado com a economia de tempo no trabalho de pesquisa, reduzido agora à décima parte, e com a fartura de material que vem nessa rede. Antes de começar seu 1 040º livro, o romance Magia Cigana, em fevereiro passado, ele não tinha mais que três ou quatro laudas sobre ciganos, arduamente garimpadas em alfarrábios, e em meio minuto de Internet outras quarenta e tantas desabaram em seu computador.
A pesquisa toma em geral cinco vezes mais tempo que a redação, e na hora crucial de transformar aquilo em ficção Ryoki nunca se deixa tomar pelo pânico do papel em branco, ou da tela vazia, capaz de paralisar os escritores mais experientes. Como à beira de uma piscina gelada, não fica adiando o mergulho — salta logo, escrevendo seja lá o que for até achar o filão e ganhar desenvoltura. “Você pode até derrapar, mas o importante é arrancar”, recomenda. Andar, andar, ele explica, nem que seja de lado, feito um siri.
E a velocidade em que anda é realmente impressionante. Uma semana depois de Pablo Escobar ter fugido da prisão na Colômbia, em julho de 1992, Ryoki Inoue apostou com seu editor que seria capaz de escrever um livro sobre o chefão do Cartel de Medellín antes que ele se entregasse ou fosse morto. A polícia levou ano e meio para liquidar o fugitivo — mas Ryoki garantiu sua caixa de uísque em duas semanas. O livro é que lhe deu certa ressaca — diz que não gostou do resultado, “a pressão acabou atrapalhando”. O seu preferido é O Nome Não Importa, de 1993, que apresenta como “as aventuras de um escritor muito cético que vive experiências kardecistas”. Nenhum que tomou mais tempo que A Bruxa — dois meses. Em compensação, O Caminho das Pedras, até por força do nome, exigiu apenas três dias.
Um quarteirão e meio de literatura
No ano passado, pela primeira vez, Ryoki topou com um editor que lhe pediu um pé no freio. “Escrever em quantidade não quer dizer nada, estamos atrás é de qualidade”, diz Maxim Behar, da Emus, de São Paulo. Convencido de que o escritor tem “uma facilidade invulgar para assimilar qualquer estilo ou assunto”, Behar lhe encomendou um romance, Do Mago ao Louco, “uma viagem pelo tarô”, que, lançado em agosto do ano passado, está vendendo bem e, segundo o editor, “é apenas o início de uma longa série”.
O próprio Ryoki Inoue não vê a rapidez no topo da lista de suas qualidades como escritor. Dá mais valor à capacidade de trabalho, grande o bastante para suprir deficiências como a datilografia capenga. Sente-se dono de um português “razoável”, é muito metódico e armazena informações numa memória extraordinariamente espaçosa. Ela só não lhe permite declamar os títulos das centenas de livros que escreveu, muitos deles escolhidos à sua revelia. Aliás, não tem em casa tudo o que produziu, apenas uns 600 que as editoras lhe mandaram. Há uma quantidade de volumes que ele nunca viu — para não falar nos 400 que foram vendidos para o mercado de língua espanhola e que acabaram por voltar ao Brasil, falando castelhano, com títulos e pseudônimos trocados. Ainda assim Ryoki Inoue pode informar que, disposta lado a lado, capa com capa, sua obra se estende por 160 metros — “quarteirão e meio”, converte esse apaixonado dos números. Com a mesma segurança, garante que nunca lhe aconteceu escrever uma história que já tivesse posto antes no papel.
O editor não queria dar aumento?
Ryoki Inoue se vingava, tranformando-o em personagem de alguma história
Nunca tira férias e não sente falta: “o meu trabalho”, explica, “é uma viagem permanente”. Gaba-se de sua capacidade fazer o que chama de “transposições mentais”: “Se vejo num filme uma rua de São Francisco, na hora de escrever eu vou saber sem erro se ela é mão ou contramão”.Versátil, navega nos mais diversos gêneros, com exceção da poesia. A mulher garante que ele “é ótimo em faroeste — você vê os tiros” —, “forte em misticismo” e “muito preparado para a ficção científica”. A fonte principal de inspiração, revela o escritor, é o dia-a-dia — miudezas como um jantar no Rotary Club ou uma conversa ouvida em restaurante. Quem cruza o seu caminho corre o risco de virar personagem, que o diga aquele repórter do Wall Street Journal. “Houve um tempo que era muito gostoso”, conta Ryoki. “O editor não queria me dar aumento, eu brigava com ele e o enfiava numa história, com nome americanizado, o sujeito se reconhecia, era divertido.” Sua própria vida, nem se fala, daria um romance. “Já deu pelo menos três”, informa Ryoki, enumerando: Estetoscópio, que aproveita suas vivências de médico; Fraude Verde, a sair este ano, sobre suas aventuras e desventuras como gerente de uma empresa reflorestadora no Mato Grosso; e O Nome Não Importa, aquele do escritor cético que vive experiências Kardecistas.
Pegando uma carona no misticismo
Para não correr o risco de se confundir, procura dar o mesmo nome a certos personagens secundários de seus livros. Os barman são sempre Larry, por exemplo, e os médicos, Ferguson. Xerifes de estrelas menos brilhantes chamam-se Masters, as donas de bordel, Dolores, e os padres, Ignácio — homenagem a um sacerdote espanhol amigo seu. No começo da década, quando escreveu quatro ou cinco romances para consumo da comunidade brasileira no Japão, criou o detetive Mário Nogaki, “um samurai moderno, espécie de James Bond nissei”.
Não lhe peçam que escreva sobre política, tema que nunca o entusiasmou. Considera-se “mais centrista que qualquer outra coisa” e há muito tempo não vota — diz que as eleições têm coincidido com suas raras viagens. “Mas teria votado no Collor”, admite, “e me arrependido.” Teria votado também no presidente Fernando Henrique Cardoso, só não sabe ainda se com arrependimento ou não. Não pretende escrever, também, sobre escândalos políticos, pois acredita que nesse terreno a realidade suplanta, de longe, a mais desvairada imaginação. Religião, tudo bem. De formação católica, acredita no espiritualismo sem chegar a ser espírita. “Existem coisas mágicas”, reconhece, e já começa dar forma romanesca a algumas delas, “pegando uma carona no misticismo”.
Natural portanto que aprecie Paulo Coelho, na sua opinião “insuperável”. O que não o impede de catalogar o autor de O Alquimista entre as suas “leituras de obrigação”, aquelas que faz para se informar sobre as tendências no mercado internacional de best-sellers. Embora de outro extrato literário, o brasileiro João Ubaldo Ribeiro também entra nessa categoria. Um segundo grupo é o das “leituras de reciclagem”, englobando os clássicos, que podem ser “chatos”, como Euclides da Cunha, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Shakespeare e o James Joyce de Ulysses, ou “não chatos”, caso de Monteiro Lobato e de dois outros escritores que Ryoki Inoue considere igualmente “clássicos”, Mário Palmério e José Cândido de Carvalho. Os oito a dez livros que lê mensalmente incluem, por fim, uma categoria “lazer”, sobretudo contos e crônicas de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Henrique Pongetti e, também aqui, João Ubaldo Ribeiro. Hoje não sabe dizer se gosta mais de João Ubaldo ou de Fernando Sabino. No ano passado a admiração pelo cronista mineiro era tão grande que, numa Bienal do Livro, no Rio, estendeu a mão para ele, emocionado, na entrada do estande da Rede Record — para então se dar conta de que era um Sabino de papelão, em tamanho natural, plantado ali para atrair leitores.
Atração Turística no Espírito Santo
Depois de ter sido, na sua fase pocket, escritor para um público que ia “do pedreiro e do peão ao executivo envergonhado que esconde o livro na pasta”, Ryoki Inoue supõe ter hoje “o mesmo leitor de um João Ubaldo”. Na paisagem da literatura brasileira, sente-se na companhia, talvez, de Rubem Fonseca, “pela afinidade temática”. Os críticos não tomam conhecimento de seus livros? “eles só lêem o prefácio”, dá de ombros Ryoki. Editor de um dos cadernos literários mais importantes do país, Idéias, do Jornal do Brasil, o jornalista Cláudio Figueiredo reconhece que ainda não se ocupou de nada da copiosa prosa do escritor paulista — mas não por prevenção contra a literatura de entretenimento. “Já resenhamos autores dessa faixa, como Paulo Coelho e Sidney Sheldon” , argumenta Figueiredo, “quando entraram na lista dos mais vendidos.”
Não é, ainda, o caso de Ryoki Inoue, por enquanto mais conhecido como fenômeno do que propriamente por aquilo que escreve. Ele calcula em “vários milhões” o contingente de seus leitores, e não deve exagerar, mas suas noites de autógrafos ainda não chegam a arrebanhar multidões. Já saboreia, porém, suas fatias de notoriedade — nem sempre inteiramente prazerosas: decidiu mudar-se de Piúma, no ano passado, porque nos últimos tempos a curiosidade em conhecer o autor de mil e tantos livros despejava ônibus de turistas à sua porta. Experimentou uma alegria de principiante quando viu alguém com o seu Onde Está Pablo Escobar? Nas mãos. E sentiu-se duplamente nas nuvens no dia em que, a bordo de um avião, foi reconhecido e festejado. Tempo virá em que saberão ver nele mais que um sprinter da literatura — Inoue estava confiante, ao cabo de duas horas e meia da entrevista a PLAYBOY. Duas horas e meia? “Daria para escrever oitenta páginas de livro.”
RAPIDINHAS DE RYOKI INOUE
A Metralhadora literária aponta também para a cama
Do livro Deuses de Papel:
“Martha fechou os olhos, sentindo com delícia as mãos de Fortuna a lhe percorrerem o corpo. Não restava a menor dúvida de que aquele homem sabia muito bem como acariciar uma mulher… (…) Ela podia sentir isso só pela maneira como ele tocava suas pernas, suas coxas, seus seios… Podia sentir até mesmo pelo cheiro que ele desprendia quando excitado! Um animal! Um animal de boa raça e ela certamente saberia muito bem como fazer para melhor aproveitá-lo! Virou-se de bruços sobre a cama, os olhos fechados, gemendo de prazer enquanto Fortuna a beijava na nuca e ia, bem lentamente, acariciando com a língua suas costas, fazendo com ela movimentos circulares que ao se aproximarem do cóccix já a estavam deixando louca. Contorcendo-se de desejos, ela se virou, segurou a cabeça de Fortuna entre suas pernas, praticamente obrigando-o a beijá-la e a acariciá-la em seu ponto mais sensível. (…) Ele parou de beijá-la quando Martha já se encontrava muito perto do orgasmo e, fazendo-a ficar por cima, penetrou-a. Martha gemeu… Gemeu e começou a se movimentar, acompanhando as investidas de Fortuna com os quadris até que, pouco depois, ambos chegaram ao clímax do prazer, ambos atingiam a satisfação máxima.
— Não sentia isso há muito tempo — confessou Martha. — Quase tinha esquecido como é que é…
— Pois agora você terá esse prazer todos os dias, querida — murmurou Fortuna. — Até várias vezes por dia, se agüentar!”
Do livro Pressão Zero
“Acariciei suas costas nuas, suas nádegas, seus seios.
Anne se encolheu, ronronando como uma gata no cio e se abraçou a mim, nossos corpos se procurando mais uma vez, a chama da paixão outra vez acesa…
— Não quero que isto acabe… — sussurrou ela. — Não quero que você me deixe…
— Não vou deixá-la — murmurei. — Não, não tenho a menor idéia do que é que está acontecendo comigo, mas sei que não vou deixá-la, jamais!
— Repita isso! — falou Anne, a voz rouca, a respiração arquejante, ela toda já mostrando que atingia o clímax.
Não pude obedecer…
Justamente naquele instante, no momento em que eu iria dizer a ela que não a abandonaria, que tinha encontrado a minha metade, comecei a sentir as contrações que tentavam, em vão, segurar o prazer, prolongar o gozo…”
FONTE: Revista Playboy, Maio de 1996 por Humberto Werneck
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